09 fevereiro 2006

Metade da gente do Mundo


Metade da gente do mundo ama a outra metade,
metade da gente odeia a outra metade.
Por causa desta e daquela metade terei eu de vaguear
e me transformar incessantemente como chuva no seu ciclo,
terei eu de dormir entre rochas, tornar-me áspero como os
troncos das oliveiras, e ouvir a lua uivar para mim,
e camuflar o meu amor com receios,
e brotar como erva assustada entre os carris do caminho de ferro,
e viver submerso como uma toupeira, e quedar-me com
raízes mas sem ramos, e não sentir a minha face contra a face de anjos,
e amar na primeira caverna, e casar com a minha mulher
sob uma abóbada de vigas que sustentam a Terra,
e expressar a minha morte, sempre até ao último sopro
e às últimas palavras e sem nunca compreender,
e colocar mastros sobre o telhado da minha casa
e um abrigo antiaéreo debaixo dela.
E ir apenas para regressar e passar por todos os lugares
– gato, pau, fogo, talhante, entre o cabrito e o anjo da morte?
Metade da gente ama, metade da gente odeia.
E qual é o meu lugar entre tais iguais metades,
e por que fenda verei eu o bairro de casas brancas dos meus sonhos
e as pegadas nuas na areia ou, pelo menos, o lenço da mulher que acena junto às dunas?

Yehuda Amichai (1924-2000), poeta israelita

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